FREDDIE GREEN - O marca-passo humano
Freddie Green (1911-87) como era mais conhecido, ou Frederick Willian Greene (nome de batismo) podia ter sido um dos maiores solistas da guitarra no jazz, mas o destino assim não quis – o que não o impediu de ser o maior guitarrista rítmico na história do jazz.
Tchum-tchum-tchum-tchum, era ele a batida regular, o coração da orquestra, o pulso infalível que fez a banda de Count Basie uma verdadeira máquina de suingue.
Foram cinquenta anos de tchum-tchum-tchum-tchum, desde que entrou na orquestra de Basie, em 1937, até sua morte, cinquenta anos depois.
Uma arte minimalista e subestimada, eu só músicos e ouvintes com alma de músico seriam capazes de apreciar. “Está tudo ali, no pulso”, disse o trombonista Dennis Wilson. Count Basie costumava se referir a Freddie Green como “minha mão esquerda”.
O trompetista Buck Clayton dizia que “Basie nunca tocou muito com a mão esquerda e Freddie preencheu esse papel”.
O filho adotivo de Basie foi mais longe: “Ninguém
falava nada, porque só papai falava, mas todo mundo sabia que a posição de
Freddie era de igual importância à de papai”.
Uma importância tão grande que conspirou contra a carreira de solista de Freddie.
Ao ingressar na banda, ele passou a integrar o que se chamou a “All-American Rhythm Section” – a melhor seção rítmica da América, integrada por ele na guitarra rítmica, Basie ao piano, Walter Page ao contrabaixo e Jo Jones na bateria.
O trompetista Harry Edison deu a explicação definitiva por que Freddie Green não conseguiu se tornar um grande improvisador:
Freddie
poderia ter sido um excelente solista, e era bom nisso quando começou a moda
dos guitarristas também fazerem solos. Um dia, muniu-se de um amplificador, mas
sempre que se destacava da banda para fazer o seu solo toda a seção rítmica se
desintegrava. Chegou ao ponto em que tínhamos de tomar uma atitude. Então, uma
noite, eu tirava a tomada do amplificador de Freddie e a coisa não funcionava.
Na noite seguinte, o saxofonista Herschel Evans cortava um fio e o amplificador
ficava mudo. Na noite seguinte, Pres escondia a tomada. Tínhamos um grupo chamado
de Os Vigilantes. Sem Freddie na guitarra rítmica, a banda perdia totalmente o
suingue. Finalmente, arrancamos as entranhas do amplificador. Freddie
aprontou-se para solar uma noite e não havia mais nada ali, apenas a caixa oca.
Ficou tão furioso que sentenciou: “Vão todos para o inferno. Eu não solo nunca
mais!”. Para alegria geral.
Autêntico marca-passo da orquestra de Basie, Freddie não era uma máquina repetidora.
Um colega guitarrista descreveu seu segredo: “Ele procurava não se repetir durante quatro ou oito batidas. Seguia sempre em movimento. Mudava e apoiava um belo tema com força e com um corpo de acordes”.
John Lewis, pianista do Modern Jazz Quartet, dissecou o papel de Green:
Freddie
desenvolve pequenas frases melódicas quando acompanha alguém, e você precisa
ouvir atentamente ou não as notará. É o mesmo que faço, mas é mais difícil,
porque ele tem a obrigação de manter aquelas quatro batidas. A maioria dos
guitarristas fica sem ideias quando acorrentada a essas regras rígidas. Ele,
nunca.
Freddie compôs também alguns temas imortais do book da orquestra de Basie, como “Down for Double”, “Corner Pocket” e “Right On”.
A identificação de Green com o som de Basie foi tamanha que outros artistas, em gravações que evocavam Basie, recorreram à sua guitarra, como os grupos vocais Lambert, Hendricks & Ross e Manhattan Transfer.
Um episódio sintomático ocorreu em 1950, quando Basie, por questões de economia, teve de desfazer a orquestra e formar um grupo menor, um sexteto.
Muita gente ficou surpresa ao ver Green excluído, mas uma guitarra rítmica seria um luxo num conjunto pequeno.
Green interpelou Basie: “Eu lhe dei os melhores anos
de minha vida e agora vai me deixar na mão?”. O sexteto tornou-se septeto
e, um ano depois, Basie refez a big band e Freddie continuou por mais 35 anos.
Coma morte de Basie, em 1984, a orquestra continuou, no ano seguinte, sob a direção do trompetista Thad Jones. E ele declarou “Não acho possível falar da banda de Basie sem Freddie Green. É o elo que mantém a tradição viva. É o decano, no qual buscamos a força espiritual”.
A guitarra Gretsch continuou por mais três anos pousada num
ângulo de 45 graus sobre as pernas cruzadas de Freddie Green, tchum-tchum-tchum-tchum,
até que o coração do genial guitarrista deixou de bater, em 1987, meio século
depois de ter iniciado sua fascinante odisseia musical na orquestra de Count
Basie.